Se você leu este título como um convite para nos juntarmos para combater o inimigo, você leu errado. Tudo bem. Eu entendo. Faço isso o tempo todo. Basta eu me sentir provocado em minhas crenças e valores para já reagir de imediato. Contra ou a favor. São as duas opções de reação. É sobre isso que resolvi escrever hoje. Mas não é para juntarmos forças para combater o “outro lado”. É sobre o lado onde todos estamos juntos e, assim, somos fortes, não há nada a temer.
Primeiro, o lugar da guerra. Você contra o outro. O fim das amizades. O encolhimento da bolha. É assim que funcionam as redes sociais. Basicamente, elas vivem de classificar, juntar e separar grupos de pessoas, de maneira a facilitar a oferta de produtos e serviços de empresas que pagam para as redes sociais fazerem isso por elas. Mas as redes sociais só criam o algoritmo, a programação. Quem faz todo o trabalho pesado somos nós. Fazemos isso postando, curtindo e compartilhando o que coincide com o que pensamos e excluindo o que não coincide. Quando anunciamos uma limpeza em nossa rede, é para as empresas que pagam as empresas de tecnologia que criam os algoritmos que nos classificam que estamos trabalhando. Só que, enquanto os anunciantes e as redes sociais veem números, nós vemos pessoas. Pessoas que postam coisas que gostamos merecem likes e coraçõezinhos. Pessoas que postam coisas que não gostamos merecem críticas e, a depender do caso, a exclusão e até o bloqueio.
Não fazemos isso por mal. Nem por bem. É da nossa natureza buscar o tempo todo a conservação de nosso bem-estar, de nossa saúde física e mental. Veja o nosso caso. Quando você lê o que escrevo e faz um comentário elogioso, ajuda a produzir uma série de substâncias bioquímicas em meu corpo que me dão prazer, como serotonina, dopamina, endorfina e ocitocina. Esse é o nosso pagamento por trabalhar para as redes sociais. Já quando você lê o que escrevo e faz uma crítica, ajuda a produzir outros tipos de substâncias que desencadeiam processos de estresse, como adrenalina e cortisol. No primeiro caso, relaxamos e experimentamos sensações corporais que chamamos de felicidade. No segundo caso, nos tencionamos e experimentamos sensações corporais desagradáveis como aceleração do batimento cardíaco, sudorese e, em alguns casos, até dor de barriga.
Tem muita gente inteligente nas redes sociais. Já estive, inclusive, na sede global de uma delas. Gente preparada e que vai olhar para este meu texto e descrevê-lo como coisa de amadores. Eles têm razão. São muito mais inteligentes do que eu. Tanto é que observo minha bolha diminuindo de tamanho já há vários anos. Uma bolha onde cada vez mais vejo gente parecida como eu, que pensa como eu, que se comporta como eu, que posta coisas que eu gostaria tanto de ter postado que, não só curto, como compartilho. Às vezes, nem preciso clicar no link, só basta ler a manchete. Afinal, já conheço essas pessoas e elas são tão parecidas comigo, não há por que desconfiar. A questão é que talvez elas pensem exatamente assim. E façam a mesma coisa: compartilhar só de olhar o título. Ou criticar quando é o caso contrário. Assim, na melhor das boas intenções, compartilhamos fake news.
Esse fenômeno acontece tanto na minha rede de amigos que pensam como eu quanto na rede de amigos que não pensam como eu, nos colocando na mesma vala comum nesse tipo de trabalho quase escravo que consiste em classificarmos a nós mesmos e a outras pessoas em grupos de consumidores para que as empresas possam dirigir seus anúncios de maneira mais certeira, tendo como moeda de troca sensações corpóreas que chamamos de felicidade.
As empresas que pagam as redes sociais para anunciarem seus produtos e serviços podem ser tanto empresas de bens e serviços quanto governos, partidos políticos ou grupos que querem que suas ideias prevaleçam sobre os demais. Postagens, likes, compartilhamentos, comentários, exclusões e bloqueios são os instrumentos que usamos para trabalhar para eles. Fake news são um efeito colateral indesejável para a maioria de nós trabalhadores das redes sociais e para muitas empresas sérias que só querem nos vender seus bens e serviços. Mas fake news também são um efeito colateral bastante desejável para quem quer construir rapidamente uma comunidade em torno de si mesmo isentando-se de qualquer culpa. Eles só fabricam a arma, quem aperta o gatilho somos nós.
Não estou aqui para criar um movimento para nos juntarmos contra as redes sociais. Se eu fizesse isso, estaria apenas criando uma outra forma de fazer a mesma coisa: classificar para elas pessoas e construir comunidades de consumidores. Além disso, você só está me lendo porque você e eu estamos aqui numa rede social, nos beneficiando de alguma forma desta troca que elas nos propiciam.
O que estou propondo é que paremos de agir como animais primitivos, que respondem a estímulos sem pensar, completamente reféns de seus instintos e, assim, sendo facilmente manipuláveis por pessoas inteligentes que usam esse mecanismo para vender produtos e serviços que nem sempre precisamos e, o pior, não nos permitem conviver uns com os outros, aprender uns com os outros, nos encantar com nossas diferenças e nos surpreender.
Por ocasião de minha cirurgia de tireóide, recebi inúmeras manifestações de carinho de amigos mais próximos e amigos distantes. Saibam que vocês ajudaram a produzir muitos hormônios da felicidade em mim. Mas eu queria aproveitar este momento para me dirigir àquelas pessoas que, em algum lugar de nossa trajetória recente, acabamos por nos separar e a ocupar lugares que nos fizeram acreditar que éramos oponentes, inimigos. Nós não somos, nunca fomos, nem nunca seremos. Apenas temos pontos de vista diferentes sobre alguns aspectos de nosso viver por aqui. Se algo que falei ou que falo lhe incomoda a ponto de você se sentir ameaçado, queria deixar claro que eu sinto muito, me perdoe, sou grato, te amo E se algo que você falou ou fala me incomoda a ponto de eu me sentir ameaçado, prometo me lembrar das vezes onde me senti amado por você, como agora, quando você deseja que eu recupere minha saúde e celebra comigo cada dia de minha recuperação. Estamos juntos. Somos Fortes. Não há nada a temer.
*citação extraída da música Todos Juntos, da obra Os Saltimbancos, de Chico Buarque