Desde o início da quarentena, temos ouvido três grandes recomendações para nos proteger da contaminação pelo novo coronavirus: usar máscaras, lavar sempre as mãos e seguir as regras de distanciamento social – esta última, normalmente, vem reforçada pelo pedido para que as pessoas permaneçam em casa o mais que puderem. Pois eu acredito que está há hora de, como minha avó costumava dizer, colocar os pingos nos is e acabar de vez com esse conceito equivocado de distanciamento social, entendendo que o que ainda precisamos manter para diminuir os riscos de contaminação é o distanciamento físico.
Como seres sociais, precisamos da convivência com outras pessoas para conservarmos nosso bem-estar e, assim, vivermos de um modo saudável. Tanto isso é verdade que, tirando a sentença de morte, qual é o pior castigo para um preso? A solitária. A privação do contato com outros seres vivos é uma das maiores dores que podemos experimentar. Porque ela nos desumaniza, na medida em que, nascidos com o DNA de seres humanos, nos humanizamos mesmo é na relação com outros humanos. E se essa relação não for pautada pelo amo, o que, infelizmente, acontece com muitas pessoas, teremos certamente problemas em nosso desenvolvimento futuro, com consequências sérias para nossa capacidade de sociabilidade.
Isso posto, vamos aproveitar a impossibilidade momentânea do contato físico nos níveis que gostaríamos para intensificar ainda mais todas as outras formas de contato.
Quer dar um tempo da luz azul emitida por dispositivos como telas de celulares e computadores que têm como efeito a produção de radicais livres e, portanto, podem provocar câncer e pigmentação na pele? Desligue o vídeo, feche os olhos e escute.
Está com os ouvidos cansados de tanto escutar? Escreva. E, se quiser fazer algo diferente e que, portanto, poderia produzir um super impacto, escreva em papel uma carta para quem você sente saudades e, como fala a canção, “bote logo no correio, com frases dizendo assim: faz tempo que eu não te vejo, quero matar meu desejo, te mando um monte de beijo, ai que saudades sem fim”.
É na falta do contato físico que o contato físico faz tanta falta.
Estamos com o contato físico limitado. Não podemos mais sair por aí distribuindo abraços e beijos, mesmo que cumprimentar dessa forma afetuosa faça parte de nossa cultura. Mas estamos aprendendo a nos manter conectados com quem queremos nos conectar de tantas e tão bonitas formas que estava mesmo na hora de reconhecer o valor inegociável que é para nós a proximidade social.
Somos afetuosos. Gostamos de celebrar datas importantes com as pessoas que amamos. Queremos nos cercar de gente que torce para nosso sucesso. Precisamos sentir que os amigos estão por perto quando percebemos aquele aperto no peito que os psicólogos nomeiam de angústia.
Para quem conseguiu trabalhar em home office, sei na própria pele o quanto é difícil conciliar todas as tarefas domésticas com os sem fim de reuniões, lives e workshops.
Por outro lado, a experiência de trabalhar de casa tem propiciado coisas que fortalecem ainda mais a conexão entre nós. Quando, antes da quarentena, você imaginaria uma reunião de diretoria onde a CEO está com a filhinha sentada no colo? Ou alguém da família que passa no meio da reunião só enrolado numa toalha e ninguém acha isso um absurdo. Ou ainda um fórum super importante que precisa ser interrompido para que as pessoas tenham tempo para preparar o almoço ou ajudar nas tarefas escolares dos filhos?
Outro dia, um executivo me perguntou em que medida trazer aspectos pessoais para a empresa ajudava de fato no seu trabalho. Sem pensar muito, minha resposta veio em duas partes: primeiro, que essa mistura entre mundo pessoal e o mundo do trabalho era um tremendo de um presente, pois nos acostumamos a viver como se essas duas pessoas – a que trabalha e a que tem uma vida fora do trabalho – fossem de fato duas pessoas. O nome técnico para alguém que vive como se fosse mais de uma pessoa é esquizofrenia. E isso é uma doença. O segundo aspecto é que, ao se permitir que a vida pessoal invada a vida do trabalho – a exemplo do inverso, que sempre foi mais comumente aceito -, nos humanizamos. Nos despimos de nossas capas de super heróis, os profissionais infalíveis que, ao vestir a camisa da empresa, acreditamos ser e nos mostramos como somos, pessoas. Esta foi a deixa para este executivo se abrir para o grupo que estava realizando esse workshop facilitado por mim e um colega e dizer que havia passado uma noite em claro, pois seu pai estava muito doente no hospital e ele estava com o peito apertado de medo com o que poderia acontecer. De repente, todos nos emocionamos com essa história, que era dele, mas que, a partir daquele momento, era também de todos nós, que, em algum momento de nossas vidas, sentimos esse aperto no peito e sabemos o bem que faz quando podemos compartilhá-lo com quem nos entende sem precisar de grandes explicações.
É por isso que digo e repito: chega de uma vez por todas dessa ideia estapafúrdia de distanciamento social! Agora, sobre o distanciamento físico, a regra é clara e precisa ser mantida até que, eventualmente, uma vacina ou algum outro evento nos imunize: 1,5 metros de distância e não se fala mais nisso.