O lado negro da força, por Francisco Daudt

quinta-feira, 16 dezembro 2010, 08:15 | Tags: , | 3 comentários
Postado por Fábio Betti 

“FULANO É um psicopata: matou a família e foi ao cinema!” Sinto muito, fulano é um ser humano. Pergunte-se, ninguém está ouvindo: você nunca pensou “só matando?”; você não vibrou, vendo “Tropa de Elite 2”, quando o Nascimento enche o político corrupto de porrada?; não participaria de um linchamento, com a galera gritando “mata”?; não teve tentação quando te deram troco a mais?

E nunca experimentou a sensação de “run amok” (é o que dizem do elefante que enlouquece e sai arrasando tudo o que vê pela frente, árvores, aldeias, pessoas)? Um ódio tão intenso subindo pela garganta, que você percebe que não responde mais por si, que vai quebrar pratos, cadeiras e a cabeça de quem te produziu o ódio, até ver os miolos gosmentos dele se esparramarem pelo chão? Nunca devaneou com coisas parecidas? De passar aquela filha de uma senhora de reputação duvidosa por um moedor de carne?

E, convidado por um político para pegar carona num jatinho lindo para uma tarde em Fernando de Noronha, às custas do dinheiro do contribuinte, mas para seu gozo único, não pensaria “ele vai para lá mesmo, qual o problema de ir junto?” e, ainda, não perguntaria “posso levar minha namorada?”.

Eu sei, você não faria nada disso. Primeiro, porque recebeu uma educação esmerada e, na sua casa, todos criticam quem faz essas coisas. Segundo, essas ocasiões nunca se apresentaram a você.

“A ocasião faz o ladrão” foi uma coisa que minha mãe me ensinou: não deixe dinheiro solto. A empregada pode ser de confiança, mas é abuso tentá-la. Se ela roubar, a culpa é sua! “Confie, desconfiando”, dizia o marechal Floriano Peixoto, que entendia da natureza humana.

É, somos capazes desses horrores todos, principalmente se a sobrevivência está em jogo. É bem verdade que um percentual mínimo da humanidade tem o gozo especial de fazer os outros de idiotas e rompe todas as regras sociais com o cuidado de não ser pego. São os psicopatas.

Mas a maioria funciona direitinho, respeita as leis (sobretudo quando funcionam e há punições para quem as transgride). Muitos de nós fomos criados vendo as vantagens do agir bem: “Se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem”(como dizia Jorge Ben Jor).

O lado negro não surge porque há bonzinhos e há malvadinhos. Somos todos humanos e compostos das mesmas coisas, em quantidades diferentes, vivendo em circunstâncias diferentes.

Uma das coisas que temos é algo espetacular em nossa natureza e chama-se “altruísmo recíproco”: faça-me algum bem e terei vontade de retribuir (e se bancar o esperto, se não retribuir, vou me afastar de você, pois percebi que você é do tipo que “leva vantagem”). E, ao retribuir, você vai me ajudar de novo, e assim por diante.

3 comentários para “O lado negro da força, por Francisco Daudt”

  • Você chama o “altruísmo recíproco” de “algo espetacular”… Me diga: é sarcasmo ou você considera realmente o “altruísmo recíproco” uma coisa boa? Pra mim, altruísmo pressupõe desapego, o fazer sem esperar nada de volta, a bondade intransitiva… isso pra mim é o espetacular do altruísmo e é também justamente a coisa tão difícil de realizar, já que estamos sempre esperando ser recompensados…
    Enfim, acho que altruísmo é para fortes. Altruísmo é para o lado bom da força, né?!
    E o “altruísmo recíproco” é para nós mortais.

  • Fabio Betti disse:

    Chris, penso que o autor classificou o conceito de “altruísmo recíproco” como espetacular dentro de nossa cultura, ou seja, como parte de nosso modo de operar como seres humanos imperfeitos e, portanto, que vivemos em relações baseadas em exigências e expectativas mútuas.

  • Ana Pires disse:

    Concordo com vc quando fala que todos passamos por momentoss de tentacao , porem dai a querer moer alguem e ver seus miolos sairem vai uma grande differenca. A impressao que da e que isso e uma auto reflexao, onde vc coloca um desejo oculto . . Nao sei,, posso ter entendido errado , corrija-me entao, pois fiquei preocupada com sua angustia.

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