A saudade é como um processo alérgico. Uma palavra, uma música, um gesto, uma imagem, um cheiro podem ser um estímulo forte o suficiente para, num instante, nos transportarmos a um outro espaço, um espaço repleto de ausência que emerge subitamente. Visitante inesperado, quando chega, a saudade pode até trazer alegria, mas sua substância essencial, sua alma é mesmo da tristeza.

Saudade. Estrangeiros costumam gostar desta palavra, pronunciando-a vagarosamente com seu sotaque típico. Saudade só existe em português. Mas saudades há muitas. Habitam todas as línguas e, especialmente, todos os corações. Não há alguém que não tenha uma, nem que seja apenas passageira.

Porque a saudade passa. Ou, pelo menos, parece passar.

Porque a saudade volta. E volta sem ser chamada.

Porque tem saudade que a gente chama. Chama para lembrar de alguém, de um momento especial, nem que seja de nós mesmos em alguma passagem marcante de nossa vida.

Porque a saudade é senhora do tempo. Nos leva para trás e até para frente.

Porque a saudade também é do que ainda não é, do futuro que ainda não se realizou e que a saudade trata de nos lembrar.

Porque a saudade é memória, mas também esquecimento. É o que pensamos esquecer e, de repente, volta maior até do que parece ter sido.

Porque a saudade é uma enorme lente de aumento. Exagera o que nos aconteceu ou o que deixou de acontecer, dando-lhes a importância necessária para que resista ao tempo e à distância.

Porque a saudade também é dos que vivem no hoje só que longe da gente. Gente que não está ao nosso lado quando um beija-flor cansado pousa no batente da janela. Gente que gostaríamos que fosse cúmplice de cada gesto em nossa vida e que a saudade se incumbe de colocar em seu devido lugar.

Porque a saudade é prima da desilusão. Nos esbofeteia com a efemeridade da vida e nossa pequenez diante de seus mistérios.

Será isso a saudade? E se já a sentimos, por que ressenti-la? Já não basta sabê-la? Por que a saudade? Por que?