Se me perguntarem, tenho a resposta na ponta da língua: prefiro aprender pelo amor. No entanto, o caminho da dor é ainda uma alternativa muito melhor do que o silêncio como processo de construção do diálogo. Isso porque o conflito coloca as pessoas em movimento, explicitando suas diferenças e abrindo espaço para o entendimento. Já no silêncio, cada um esconde-se em seu próprio mundo, onde a imaginação é livre para criar monstros muito mais perigosos do que qualquer outro ser de carne e osso.
Cenas de um casamento
Cena 1: Atitudes mútuas de impaciência e intolerância são respondidas de maneira ríspida, irônica ou simplesmente mascaradas pela hipocrisia disfarçada de serenidade.
Cena 2: O conflito finalmente se acende quando ela associa uma atitude minha no presente a uma atitude minha ocorrida no passado, disparando uma acusação: “você não pratica o que prega (o diálogo)!”
Cena 3: Sinto-me atacado de maneira injusta (por que não manifestou o incômodo com a atitude do passado no momento de sua ocorrência?) e reajo, ora justificando minhas atitudes, ora devolvendo a acusação.
Cena 4: O debate – esse mecanismo que utilizamos quando queremos provar a existência de uma única verdade – se intensifica. Observo-me com o rosto contraído, pensando na situação desprazerosa que eu estava vivendo, mergulhando cada vez mais profundamente num conflito sem solução aparente.
Cena 5: Mantenho-me na defesa, porém não mais recorrendo a justificativas ou contra-ataques. Digo, repito, insisto que o problema não é ela ou eu, nem está nela ou em mim, mas entre nós.
Cena 6: Sinto que ela ainda pensa que estou usando alguma estratégia para sustentar o debate, pois continua discordando e apontando o dedo em minha direção. Mesmo assim, prossigo: o problema não está em VOCÊ ou em MIM. O problema está ENTRE nós.
Cena 7: Os ânimos de repente se acalmam. O ritmo desacelera. Proponho que continuemos daquele ponto em diante mais atentos à forma como apresentamos os nossos argumentos, substituindo a palavra “você”, que emula o dedo apontado para o outro – um gatilho para a dinâmica ataque-defesa -, para “eu” – convite natural ao desarme. Ao invés de “VOCÊ é isso ou VOCÊ fez aquilo”, “quando você fez isso ou aquilo, EU me senti assim ou assado”. No lugar de “VOCÊ me machucou”, “EU me senti machucado”.
Cena 8: Concordamos, porém, antes de prosseguirmos, ela defende que o conflito inicial foi o que nos salvou do abismo do silêncio que corroia a relação.
Cena 9: Concordamos novamente. Já não discutimos mais. Dialogamos.
Aviso: qualquer semelhança com a realidade não é, nem será, mera coincidência.