O que dizemos e fazemos afeta os outros de uma maneira que pode levá-los a amar ou odiar profundamente, a viver ou até a morrer. E o pior é que, em princípio, não temos qualquer controle sobre isso.
Fui com minha esposa assistir ao filme “Em um mundo melhor”, coprodução sueco-dinamarquesa que conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011. Minha missão – dever de casa de um curso sobre diálogo que estou fazendo – era avaliar como a falta de diálogo se manifestava e influenciava a vida das pessoas. Aluno aplicado, lá fui eu com papel e caneta na em mãos observar e anotar minhas observações. No entanto, embora o enredo seja de fato todo construído por desencontros de palavras e sentimentos, não fui capaz de registrar uma única observação.
Na medida em que o dito e o não dito iam afetando a vida dos personagens, eu também aderia involuntariamente a esse contágio, sendo jogado de um lado para o outro, da mais pura e sensível compaixão ao ódio mais violento, em segundos, numa simples mudança de cena. O que cada um dizia e fazia afetava toda uma rede de pessoas e me levava junto, como se o que acontecia na tela tivesse uma íntima relação com o que acontecia fora dela.
Que poderoso mecanismo é esse capaz de me levar de um estado a outro em segundos a partir do que o outro diz ou faz? A resposta pode estar na ciência e recebe o nome de neurônio espelho.
Um neurónio espelho é um neurónio que dispara tanto quando um animal realiza um determinado ato, como quando observa outro animal (normalmente da mesma espécie) fazendo o mesmo ato. Desta forma, o neurónio imita o comportamento de outro animal como se estivesse ele próprio realizando essa ação. Os neurônios espelho foram observados inicialmente em primatas, e as pesquisas agora procuram desvendar sua ação nos seres humanos.
O que já se sabe é que o cérebro humano tem múltiplos sistemas de neurônios espelho especializados em executar e compreender não apenas as ações dos outros, mas suas intenções, o significado social do comportamento deles e suas emoções. Isso explicaria o que ocorre, num diálogo, quando o que os interlocutores estão sentindo afeta muito mais uns aos outros do que as palavras ditas.
“Somos criaturas requintadamente sociais”, explica Giacomo Rizzolatti, neurocientista da Universidade de Parmadiz Rizzolatti. “Os neurônios espelho nos permitem captar a mente dos outros não por meio do raciocínio conceitual, mas pela simulação direta, sentindo e não pensando.”
Encontradas em várias partes do cérebro, essas células disparam em resposta a cadeias de ações relacionadas a intenções. Algumas são acionadas quando uma pessoa estende a mão para pegar um copo ou observa alguém pegar um copo; outras disparam quando a pessoa coloca o copo sobre a mesa e outras ainda quando a pessoa estende a mão para pegar uma escova de dentes e assim por diante. A situação que mais chama minha atenção, no entanto, é o bocejo. Quando alguém boceja, parece que se cria uma rede imediata e incontrolável de bocejos.
O fato de não ser capaz de controlar minhas reações frente às ações e sentimentos dos outros costuma me dar um medo danado. Como no filme, isso pode levar a consequências catastróficas. No entanto, quando aceito que é assim que “funciono” e é assim que o outro também “funciona”, é como se eu acionasse o recurso necessário para lidar com os neurônios espelho: uma combinação entre atenção e reflexão.
Se reconheço que eles fazem parte de minha natureza, posso olhá-los não com o olhar de quem julga e condena, atitude que costuma conduzir a sujeira para debaixo do tapete – e o que está oculto costuma fazer um estrago muito maior – , mas com os olhos do observador, que se orienta pela atenção ativa e por uma atitude reflexiva que se pergunta “o que está acontecendo comigo?” a cada momento.
Quando me conecto com este estado – e aí, sim, tenho controle sobre isso, porque se trata de uma escolha consciente -, percebo que posso bloquear ou aceitar o contágio. Funciona assim: sinto-o primeiro em meu corpo, que é a chave para o observador perceber o que está se processando. Se me vejo no bem estar, considero o estágio positivo e entrego-me a ele. Se, no entanto, sinto meu coração apressado, suor frio nas mãos, acidez no estômago, já tenho pistas suficientes para interromper a ação desse mecanismo. De qualquer modo, trata-se de uma decisão consciente sobre um processo anterior desencadeado inconscientemente.
Posso não ser capaz de evitar entrar nele, mas sou totalmente capaz de sair dele a qualquer momento, interrompendo sua ação sobre mim e, possivelmente, também sobre o outro – porque tudo o que eu posso fazer sobre o outro é fazer algo sobre mim e torcer para que os neurônios espelho façam a sua parte.
E a prática da auto-observação me parece o melhor caminho para abreviar essa escolha. Quanto mais pratico, mais rápido torno-me consciente do processo. Sem a prática, no entanto, sou como um barquinho de papel numa tempestade, que depende exclusivamente de forças que não controla para continuar sua viagem ou naufragar.
Digo, por experiência, que há momentos em que a percepção parece ser muito pouco e insuficiente para dar conta dos processos desencadeados por toda sorte de “contágios”, mas ela é tudo o que temos, Por isso, vc tem razao, e também experimento isso, quando diz que a prática constante é a nossa única chance de navegar por esse mar da vida. Aprendizado contínuo,..
Ola Fábio, achei muito interessante esse tal de neurônio espelho.
E aí a responsabilidade de cada um em prestar atençao ao que quer irradiar por aí.
Gosto de passear por aqui. Sempre tem algo interessante. Um abraço. Thaïs
Oi Thaís, seja sempre muito bem vinda.