Viajando entre reticências e pincéis

terça-feira, 19 abril 2011, 18:04 | Tags: , , , , | Nenhum comentário
Postado por Fábio Betti 

Tenho uma dificuldade terrível com direção. Não com a direção de um automóvel, arte que aprendi a dominar. Nem com a direção de pessoas, talento que, por força da profissão, também venho toureando satisfatoriamente. Falo de sentido de orientação. A direção que responde – ou deveria responder – a pergunta: “Para que lado eu vou?” É esta sensação que costumo ter, por exemplo, quando desembarco numa estação do Metrô com múltiplas saídas. “Esquerda ou direita? Por baixo ou por cima?” Estas são perguntas que só respondo, e com muita dificuldade, com o auxílio das placas de sinalização. E, mesmo assim, acabo invariavelmente me confundindo. “Pamplona Centro ou Pamplona Jardins?” Ao subir à superfície, é muito comum me descobrir na calçada contrária à desejada.

O fato de estar debaixo da terra e não ter as estrelas como guia acaba tornando esse processo de escolha ainda mais difícil. Isso é uma piada, claro! Guiar-se pelas estrelas numa cidade como São Paulo? Onde é que elas ficam? No céu, não vejo nada.

E, mesmo quando estou longe das luzes da cidade, as luzes das estrelas não costumam me dizer para onde devo ir.

Fico imaginando a bagunça que eu faria se fosse um dos reis magos!
Só chegaria à famosa manjedoura se a estrela fosse em formato de seta. “Siga por aqui…”

Mario Quintana teria dito que as reticências são uma forma de conduzir o pensamento e o leitor, de dar uma direção a seu raciocínio. Talvez seja por isso que eu goste tanto dos três pontinhos. Ao mesmo tempo em que eles conduzem o leitor, também conduzem a mim…Quando empregadas no fim de um texto então, eles têm o poder mágico de fazer com que as palavras continuem pipocando em nossa mente…

Mas não cheguei ainda ao fim de meu texto e devo poupar as reticências para não banalizá-las…ou acabar me perdendo de novo!

Recebi outro dia um poema escrito por uma amiga onde ela usa a imagem de um girassol para fazer um auto-retrato. Comentando seu poema, ela acabou lembrando de Van Gogh.

Além de também ter feito um auto-retrato e desenhado um poema em forma de girassol, Van Gogh era uma pessoa que adorava confundir as pessoas. Se você tiver a oportunidade de se aproximar de uma de suas telas, mesmo que seja de uma reprodução barata, tente seguir suas pinceladas. A sensação é que você está entrando em um intrincado labirinto.

Cortar sua própria orelha talvez tenha sido a forma que ele encontrou de fazer que continuássemos seguindo suas espirais sem fim. É para onde a orelha devia estar que nosso olhar se dirige. Para o vazio que ela deixou. Mesmo que nunca tenhamos visto uma imagem de Van Gogh com suas duas orelhas, é como se, estranhamente, tudo o que conseguíssemos enxergar fosse a orelha ausente. Seria esta uma imagem da mente de Van Gogh ou de nossa própria mente?

Como as reticências, o movimento do pincel faz nossos pensamentos voar.
Voar para dentro de Van Gogh.
Voar para dentro de nós mesmos…

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