Insatisfeito com a falta de competitividade de seu filho, um amigo me contou que pretendia mudá-lo para um colégio mais forte – uma dessas instituições onde se passa o dia todo estudando e se conquistam as primeiras vagas nos vestibulares. Se o objetivo dele é preparar o filho para o mundo de hoje, está no caminho certo. Mas se ele quiser prepará-lo para o futuro, pode estar cometendo um erro fatal.
“A vida é dura.” “O trabalho dignifica o homem.” “Não existe sucesso sem sacrifício”. “O importante é competir.” “Quem foge da luta é covarde.” Crescemos ouvindo essas frases e acreditamos tanto nelas que consideramos os que pensam de modo diferente seres de segunda categoria. Onde já se viu não encarar a vida como uma batalha diária? A própria natureza é utilizada para justificar o paradigma do vencer ou morrer. Só sobrevivem os fortes, é a seleção natural. Acontece que a competição não é, como se pensa, invenção da natureza. Como explica o renomado biólogo Humberto Maturana, a leoa não compete com a gazela, ela simplesmente vai ao supermercado garantir a janta da família.
A competição é uma criação humana que, aliás, foi absolutamente necessária para que pudéssemos dominar a natureza e estabelecer as condições para a sobrevivência de nossa espécie. O materialismo científico que direcionou esse caminho propiciou avanços espetaculares na medicina e na produção de alimentos, só para citar duas áreas onde o medo da escassez mais impulsionou o avanço da competição e, por meio dela, o milagre do progresso em escala muito superior à imaginada.
No início do século XIX, o então festejado economista Thomas Malthus afirmava que o crescimento populacional, em progressão geométrica, era incompatível com a produção de alimentos, limitada ao crescimento aritmético. Não é preciso entender matemática para perceber que Malthus errou ao não considerar a capacidade humana de encontrar alternativas tecnológicas para modificar essa equação. No entanto, se fomos capazes de multiplicar os alimentos, ainda não o fomos com os recursos naturais. A Terra continua do mesmo tamanho. Não há uma gota a mais de água – pelo contrário, o desenvolvimento desordenado vem provocando estragos aparentemente irreparáveis nos oceanos. O uso excessivo de defensivos agrícolas combinado com o desmatamento sem controle já transformou imensas áreas férteis em desertos sem vida. É o preço do progresso, dizem os desenvolvimentistas. É um tiro no próprio pé, contrapõem os ambientalistas.
O fato é que não há muito mais o que desbravar nesse planeta. Tanto é que os programas espaciais visam cada vez mais longe. E quem age por conta própria não afeta apenas a si mesmo. A ciência já provou que estamos todos interconectados, queiramos ou não – quero dizer conectados fisicamente, todos nós, habitantes da Terra, seja da espécie que for. Mesmo que não nos demos conta, não há espaços vazios nos separando – uma partícula se liga a outra, que se liga a outra, que se liga a outra.
“O bater de asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova York.” Essa frase não foi extraída de nenhum poema ou romance. Ela apareceu pela primeira vez em 1963 para exemplificar os estudos do matemático Edward Lorenz, utilizados para descrever e entender fenômenos meteorológicos, crescimento de populações, variações no mercado financeiro e movimentos de placas tectônicas. Segundo demonstrou Lorenz, uma pequena variação nas condições em determinado ponto de um sistema dinâmico pode ter consequências de proporções inimagináveis.
Como então acreditar que, nesse mundo de equilíbrio tão frágil, a competição ainda seja o melhor caminho? Quando venço o outro que está ligado a mim, a quem de fato venço?
Paula, outra palavra perigosa utilizada pela cultura da competição que traz enormes prejuízos às relações no mundo corporativo é “convencer”. O David Bohm, que deu uma enorme contribuição à cultura da colaboração com seu livro “Diiálogo e redes de convivência”, tem uma frase ótima a respeito disso: “Se alguma coisa é correta, você não precisa ser persuadido. Se alguém precisar persuadi-lo, é porque provavelmente há dúvidas a respeito do assunto.”