Clarice, aqui estou eu vivendo férias de sonhos, mas com uma sensação estranha que surge numa voz que me diz que não sou merecedor, que não devia me ausentar durante tanto tempo, não podia estar gastando tanto dinheiro. E essa crítica surge nos momentos onde justamente encontro mais paz, quando estou sozinho de frente ao mar pacífico verde esmeralda da única onda estrondosa. Eu que seguro há tanto tempo tantos fardos pesados, compromissos frente aos quais nunca recuei, pressões que venho encarando com a coragem de quem foi viver a vida por sua conta aos 18 anos de idade, merecia, no lugar do olhar crítico e estreito, um canto de sereia que, certamente, melhor combinaria com a sinfonia que a natureza me neste momento me presenteia.
O que essa voz estraga-prazeres, afinal, quer de mim? Por que ela de repente vem interromper minha paz no paraíso onde fui me esconder para me encontrar? Não, não se trata de uma intenção objetiva: vou lá para me encontrar. Nao houve qualquer plano prévio ou mapa deliberadamente traçado para estar neste mundo perdido com o objetivo de encontrar nada. O fato é que aqui estou e, enquanto estou, me observo vivendo um intervalo numa narrativa que, mesmo não linear, é tão cheia de som e fúria, que parece sempre tão ininterrupta. E aqui, não, aqui onde as ondas compõem a música com o vento e os passarinhos e as folhas que balançam, consigo perceber as pausas, o momento onde o mundo mergulha no caos e, em seguida, respira suspenso, como que se preparando para um próximo mergulho, só que não. Náo é um preparo para nada, é uma entrega ao nada, ao nada, onde tudo nasce.
Náo faço ideia do que irá nascer desse nada em que repentinamente me vejo mergulhado. Sinto apenas que era nele, no nada, que eu precisava vir me banhar, e só descobri isso quando a voz me pedindo, não, me ordenando para voltar veio bater com seu martelo em minha cabeça. A marretada, no entanto, só me fez querer olhar mais para dentro do nada, para cada vez mais longe do tudo de onde a voz vem e para onde, dentro de alguns dias, eu também irei. Sim, os dias por aqui vão chegando ao fim, justo agora que percebi a importäncia das pausas na minha vida. O gosto na boca é de que esta pausa poderia ser bem mais longa, mas no momento em que a vivo, neste momento, vivo-a tão intensamente que me sinto capaz de carregá-la de alguma forma comigo, como um segredo, Clarice, um segredo entre nós, nós que ouvimos vozes que nos condenam e mergulhamos no nada onde dançamos com o novo e encontramos a paz.
Com carinho, Fábio Betti Salgado, em Ponta de Corumbau, 08 de janeiro de 2013.
Oi Clarice. Aqui vai um gancho na carta do meu amigo.
Caminhos….
Solitários, intransferíveis e mágicos. Caminhos de cada um. Penso que a vida é mais simples do que parece, Clarice. Pelo menos quanto mais eu aprendo, sofro e vivo,(não necessariamente nessa ordem) mais me parece simples a vida. A dificuldade está em entender essa simplicidade, que sempre complico. Por que não estar no nada, ouvir o nada, sentir o nada e tranformar-se nele por um momento apenas, sem o medo de desaparecer? Como está muito bem dito aí acima: “Do nada tudo nasce”.
Beijo, Clarissa