Por quanto tempo você consegue ficar com uma pessoa só por causa da aparência? Pessoas que acreditamos bonitas chamam a atenção, nos atraem, mas quanto tempo dá para ficar com alguém só por causa do efeito que a aparência desse alguém provoca em nós?
A aparência emerge no encontro e desaparece no convívio. Ela nos faz repentinamente próximos, porém nos entrega nus ao mundo imprevisível das relações. A aparência não resiste ao tempo quando duas pessoas fazem algo juntas. Ela morre naturalmente, às vezes, de forma abrupta, às vezes, tão lentamente que não percebemos que, de tão apegados a ela, não percebemos os segredos que ela escondia. Os sentimentos, os cheiros, o toque, os sonhos, os medos, os desejos, a química do encontro disso tudo do outro com o isso tudo da gente são coisas que estão muito além da aparência e que quem permanece com o olhar congelado na aparência nem se dá conta.
A aparência habita a superfície do corpo, mas para ser só um corpo, é preciso ter morrido. Toda pessoa viva é um corpo em ação, um corpo que faz, que pensa, que sente. O que você faz com o seu corpo é o que, de fato, lhe define. O que faz um cérebro, que nem aparece no espelho e, portanto, não é do domínio das aparências? Será que ele exercitou-se devidamente e fez alguém inteligente ou se entregou à preguiça e produziu ignorância? É o cérebro de uma pessoa que viajou o mundo e conhece vários lugares ou de alguém que nunca saiu de casa? É o cérebro de uma pessoa aberta a opiniões ou de uma pessoa que julga todo mundo, de uma dona da verdade ou de uma pessoa que aceita o diferente? E, até mesmo aquele que faz um esforço danado para parecer inteligente não resiste ao teste do convívio diário.
O que você faz com o seu coração também não se reflete na aparência. Você nem sabe que ele está lá enquanto seus olhos estão hipnotizados pelo corpo de alguém. Será que ele é frio, será que ele é quente, será que é carinhoso, será que é indiferente? A pessoa mais linda pode esconder um coração de pedra, no qual você irá inevitavelmente acabar por colidir se insistir em se iludir pelo que está vendo ao invés de simplesmente se deixar sentir.
Sorte de você que goza de uma aparência atraente e ainda tem um interior cheio de tesouros. Mais sorte ainda de quem não tem a melhor aparência, mas igualmente guarda um baú cheio de maravilhas. Este não tem dúvida de que, quando atrai alguém, é pelo que tem realmente de mais valioso.
E para quem só se apoia na aparência, quando a aparência vai embora, o que sobra? Nada. Não sobra nada, ou melhor, resta o que sempre se manteve cativo em segundo plano e que, privado de luz, escondido no porão, provavelmente não terá se desenvolvido como poderia. Triste de quem vive assim, e ainda mais triste de quem escolhe viver ao lado de alguém que vive assim, encantado com uma aparência que certamente ainda terá que encarar seu prazo de validade. Porque triste é cultivar algo que, mais dia, menos dia, irá se perder para sempre. E, mesmo que a medicina, com seus milagres estéticos, seja capaz de corrigir o que não nasceu de acordo com os padrões de beleza reinantes ou disfarçar o avanço da idade para quem se escraviza pelo que vê no espelho, o máximo que se consegue é só isso mesmo: um disfarce. Disfarce que, quando escorrega para o delírio do exagero, faz as pessoas se distanciarem de si mesmas, gente com pele tão esticada que acaba ficando com rosto de chinês. E absolutamente nada contra as chinesas. As chinesas são lindas. Aliás, como todo mundo é lindo. Todo mundo é lindo por dentro quando se mantém o coração aberto para visitação e os olhos leves para enxergar toda a arte do mundo que se revela e perdura muito além das aparências.
A beleza importa nos primeiros 10 minutos. depois, você tem que ter algo mais a oferecer.
Excelente texto, Parabéns.