Bastou o Luis Fernando Guimarães aparecer no Fantástico no quadro Super Sincero para muita gente comparar-me a ele, especialmente, as pessoas mais próximas. Não sou do tipo que senta na frente da tevê domingo à noite para acompanhar o show global da vida – para mim, o maior símbolo da depressão dominical -, mas foi inevitável dar uma conferida. Isso foi em 2006. O humorístico já saiu do ar e só não foi esquecido porque as pérolas do senhor Sincero continuam vivas no Youtube. Recentemente, ao rever algumas delas, confesso que até me identifiquei com o personagem, mas só no que gera de humor, porque se ele não faz nenhuma concessão para ser aceito socialmente, eu faço muitas. Mesmo que me incomode, sei usar da hipocrisia no trato social e, como disse Gilberto Gil, então Ministro da Cultura, também acredito que “o exercício da hipocrisia se refere a um modo de ser civilizado, necessário à convivência entre as pessoas“. Isso não significa, no entanto, que esse seja minha natureza ou sequer meu modo preferido de estar no mundo. Muito pelo contrário.
“O seu problema é a autenticidade!“ Alguns anos atrás, ouvi essa frase de uma amiga. A exclamação é por minha conta, mas, mesmo sem ela, a frase me parece grave o suficiente. Como a autenticidade pode ser um problema para alguém? Foi o que me perguntei na época. Muita calma nessa hora, disse a mim mesmo. E saí à procura da origem da palavra antes de deixar-me levar pela emoção.
Autenticidade: qualidade de autêntico, do latim authenticus, que significa original, genuíno, principal. Autêntico ou, no original, authentes, é aquele que age por sua conta, por sua própria autoridade. Até entendo que alguém que age por sua própria conta possa incomodar, mas agir pela conta do outro, para mim, isso sim seria bizarro.
Acabo de receber uma terceira classificação, que me pareceu ainda mais complexa e instigante que as outras duas. Sou espontâneo. Foi assim que um dos coordenadores de um mestrado que estou fazendo em Santiago do Chile referiu-se a mim no meio da primeira semana do curso – de um total de 7 semanas distribuídas por dois anos. Mesmo sem ter à mão qualquer dicionário, senti-me honrado com a distinção, pois, diferentemente das demais, ela foi feita como o reconhecimento de uma qualidade, não como falta de tato ou uma ameaça. No fundo, sempre acreditei que fosse isso mesmo, um valor, algo sagrado que simplesmente aparece – não, na verdade, não aparece, irrompe como uma avalanche. Quando se ouve o barulho, já foi – vai, aparentemente, sem passar por qualquer filtro social, de um sei lá aonde diretamente para fora. O que falo e faço nesse estado, só descubro depois que falo e faço. Ajo, depois penso. Tá certo, também pode me chamar de impulsivo, mas nem vou perder meu tempo em procurar a origem dessa palavra. Sem o impulso, não haveria vida.
A propósito, espontâneo vem do latim sponte, que quer dizer da própria vontade. Vontade, ou voluntas, significa prazer, desejo, ânimo. Ânimo é alma, coragem, desejo, mente e está relacionado a anima, que, por sua vez, é ser vivo, espírito, disposição, e também deriva de Ane, palavra que os indo-europeus usavam quando queriam dizer assoprar e respirar, atividades que os seres vivos costumam se dedicar com muito afincos, quando vivos.