Passei a vida competindo – competindo no esporte, competindo na escola, competindo no trabalho. E hoje, quando acompanho meus filhos em suas competições esportivas, dou-me conta de que competir não me faz nada bem. Sei disso simplesmente porque não é prazer o que experimento. É alívio. Quando meus filhos estão em quadra, tudo o que quero é que o jogo termine logo e, com ele, um sofrimento atroz que me percorre o corpo todo, provoca taquicardia, falta de ar, irritação, descontrole emocional, nada, portanto, que se pareça remotamente com qualquer sensação de bem-estar.
Quando garoto, não poucas vezes, fui chamado de covarde, pois fugia de briga como o diabo foge da cruz. No entanto, certa vez, não houve jeito. Fui praticamente obrigado a brigar com um garoto no que se poderia chamar de uma briga de rua entre gangues mirins. Cada qual escolheu um menino como representante e acabou sobrando para mim. Assim que foi dado o sinal para o início da luta, parti com tudo para cima do menino, desferindo um soco atrás do outro, sem chances para que ele esboçasse qualquer reação. A briga acabou em poucos segundos, com o menino totalmente atordoado e eu esbaforido, sem ar. Tudo o que eu queria era que ela terminasse assim, rapidamente, me tirando de um estado emocional quase insuportável.
A competição parece ter o poder de desencadear o pior de mim, meu lado mais sombrio, meu pequeno eu, mesquinho, inseguro, impaciente, covarde, tão cheio de medos que se torna totalmente imprevisível e incontrolável em suas reações. Na competição, vejo-me arrebatado repentinamente por uma poderosa força que me leva a agir de maneira impensada. Sinto-me conectado com um instinto muito primitivo, algo que parece preexistir à linguagem, à reflexão, puro instinto de sobrevivência, um impulso que, em algum momento, provavelmente, deve ter sido útil, mas que se torna um incômodo insuportável no comportado mundo que construi para mim. Em meu mundo, não cabe o pavio curto, não cabe a sombra, não cabe a maldade, não cabe a ignorância. Meu mundo é o dos bons, mundo dos homens pacientes e caridosos, que sempre pensam antes de agir e nunca o fazem sem levar em conta os interesses de todos, visto que estamos falando de homens equilibrados e sensíveis.
A competição me dá um sonoro tapa na cara, me tirando da ilusão do autocontrole, despejando em meus ouvidos toda a minha humanidade. Num piscar de olhos, ela transforma em pó esse mundo perfeito que construi para mim. Fico sem chão, sem teto, sem voz, sentindo-me vagando perdido no espaço, desesperado para agarrar-me a qualquer coisa que esteja à mão. Nesse aspecto, reconheço sua importância em minha vida, mas me pergunto se realmente preciso dessa violência para voltar para meu eixo de ser vivo, eternamente condenado à mudança em seu caminhar trôpego.
Só quero ter o direito de me equivocar e mudar de opinião de vez em quando. Será que peço muito?
Não quero viver na competição para me sentir vivo. Não é possível que a dor seja o melhor antídoto para o feitiço da letargia. Não quero mais despertar com um balde de água fria. Quero acordar com palavras doces e beijos, acordar suavemente, convidado pelo canto de vozes angelicais. Não nasci para competir – será que alguém de fato nasceu? Não faz nenhum sentido lançar-me à guerra para retomar minha paz.
Eu adorei o texto, me identifiquei muito com ela, fala exatamente como eu me sinto, menos o ultimo paragrafo, não quero ser “convidado pelo canto de vozes angelicais”, acordar é o suficiente pra mim xD