Voltemos no tempo. 11 de outubro de 1995. Recebo uma ligação de uma tia. Ela me diz para ir correndo ao hospital, pois o estado de minha mãe, vítima de um câncer devastador, havia se agravado bastante. Saio às pressas de uma reunião com um cliente e chego cinco, míseros cinco minutos atrasado. Apesar da morte mais do que anunciada, fico puto, mas muito puto com Deus, que não me deu tempo suficiente para que me despedisse dela direito. Fico pensando em todas as palavras que queria dizer e não disse.
Passam-se anos desse episódio até, finalmente, entender que o que eu precisava dizer não era exatamente para ela, mas para mim. Era para a mãe que vivia dentro de mim. Era com ela que eu precisava conversar e me despedir.
Aconteceu algo semelhante com meu pai, que ainda está vivo, muito vivo, mas por quem eu carregava muita mágoa. Durante muitos anos, cultivava um forte rancor por sentir que ele se manteve ausente em um período importante de minha vida. Por diversas vezes, ensaiei uma conversa séria, que nunca aconteceu. Alguma coisa soava sem sentido e eu não sabia exatamente o quê. Até que me veio um estalo: eu queria discutir a relação com alguém que já não existia mais. Certamente, não era com aquele velhinho de 70 anos, espirituoso e extremamente solidário, quase altruísta, uma pessoa muito querida por todos que o conheciam. Era com a lembrança de um pai que vivia apenas dentro de mim. Uma imagem, uma percepção de pai que se formou durante a adolescência e se transformou em uma espécie de memória congelada numa cápsula do tempo. Quando percebi isso, foi como se o céu nublado de repente se abrisse. Pude ver meu pai de hoje sem lentes distorcidas e, assim, pude amá-lo facilmente. Afinal, o ser em que ele se transformou é admirável em muitos aspectos.
E o que fiz com a despedida de minha mãe e a imagem do pai ausente? Bati um longo papo com eles, só eu e eles, mas dentro de mim.
Discutir a relação com nossos fantasmas é a única forma de exorcizá-los e, assim, liberá-los para partir. Caso contrário, eles ficam lá, nos atazanando e atrasando a nossa vida, interrompendo o tráfego do nosso fluxo de energia. Pare para pensar um pouco sobre isso. Você verá como é cansativo carregar esses fantasmas nas costas.
Não digo que essa DR seja uma tarefa fácil. Muito pelo contrário. Ninguém nos ensinou a empreender esse diálogo interior. Tanto é que, atualmente, tenho tentado, em vão, discutir a relação com uma amiga que, a despeito de inúmeras tentativas que tenho feito para conversarmos pessoalmente, me ignora completamente. Ela não devolve meus recados nem responde meus e-mails. Meu coração está triste, como se sentisse a morte de uma pessoa querida. Na verdade, sei que é com ele e não com ela que preciso discutir a relação. Resolvendo a questão dentro de mim, poderei amá-la novamente, mesmo que ela nunca mais volte a falar comigo. Dessa forma, a amizade que já se realizou entre nós como algo, sem dúvida, real poderá existir eternamente como uma boa lembrança ou como a companhia de um fantasminha legal.
Obrigada! Estava precisando ler isso hoje! Bjs