Quando decidimos escrever sobre este tema, a primeira imagem que me ocorreu foi minha esposa pedindo para eu realizar alguma tarefa e eu tentando imaginar uma desculpa para escapar dessa responsabilidade.
Embora, até hoje, não reconhecida – injustamente, na minha opinião – pelo dicionário, a palavra miguelagem cai muito bem ao tema. Pergunto-me quem teria sido esse sujeito chamado Miguel que, de tão hábil na arte de enrolar lingüiça, acabou emprestando seu nome a esse ato que nós homens costumamos recorrer quando o assunto é participar das tarefas domésticas. Sim, ao menor sinal, partimos descaradamente para a miguelagem, já que a famosa desculpa de que estamos fazendo a nossa parte ao trazer dinheiro para casa, empregada sistematicamente por nossos pais, avós e todos os homens que vieram antes de nós, foi simplesmente extinta quando as mulheres queimaram seus sutiãs em praça pública e nos deixaram em casa com a geladeira vazia.
Depois de seremos obrigados a comprar nossa própria cerveja, tivemos que aprender a lavar os copos e, suprema humilhação para um machão que se preza, também passamos a lavar nossas cuecas. De uma hora para outra, fomos privados dessa mordomia secular de contarmos com um verdadeiro séqüito feminino formado por mães, irmãs, mulheres e filhas a nos cuidar.
Lavar a louça, passar roupas e limpar o banheiro tornaram-se tarefas a serem compartilhadas. Lembro-me até hoje das noites tentando lavar minha roupa no tanquinho que eu, na época, um solteirão duro de não ter onde cair morto, havia adquirido na impossibilidade de contar com uma máquina de lavar roupas de verdade. Depois de o rudimentar equipamento “amassocar” (olha aí outro verbo inventado que o dicionário ainda não reconheceu) violentamente minhas roupas, vinha a batalha contra o ferro elétrico, obviamente, sempre perdida para esse autêntico instrumento medieval de tortura.
Bastou melhorar um pouco de vida para tratar de contratar uma diarista. Lavar e passar roupas, nunca mais! Pensava que o dinheiro seria capaz de garantir meu estado de miguelagem pelo resto da vida. Só que o tempo me mostrou que não existem empregadas domésticas perfeitas. Há as que passam muito bem, só que não cozinham. As que deixam a casa um brinco, mas não conseguem entender o programa da máquina de lavar roupa de jeito algum. E quando você começa a acreditar que encontrou em sua mulher uma sucessora de sua mãe nos mimos que edificaram sua criação como macho, logo cai da cama e acorda para a realidade. Você, um dono de casa inexperiente e sem o mínimo de capacitação – o máximo em treinamento recebido foi arrumar a própria cama -, se vê, repentinamente, com um balde e um esfregão nas mãos.
Outro dia, eu, que, honestamente, me considero um macho evoluído, fiquei trabalhando em casa para olhar meus filhos enquanto minha esposa cuidava dos últimos preparativos para inaugurar seu consultório. De repente, enjoado de tanto tomar remédio para tratar uma amigdalite crônica, Gabriel corre em direção ao banheiro e, como um autêntico machinho, vomita espalhando restos do almoço para tudo quanto é lado. Levei mais de uma hora limpando a cena do crime. Consumi quase um vidro inteiro de detergente, sujei vários panos, á água invadiu o corredor manchando o piso de madeira. Como empregado doméstico, mostrei-me uma catástrofe. Deveria ser demitido sumariamente da função. Ensaiei uma carta de demissão, recebi em troca um irônico sorriso de superioridade, como se ouvisse: “sujeitinho limitado!”. Dessa vez, não colou. Mas macho que é macho não desiste nunca. As técnicas da miguelagem estão aí para nos salvar. Da próxima vez, serei mais eficaz: talvez, fazer uma cara de doente ou ameaçar uma crise de choro por causa das pressões do trabalho. Em situações de desespero, se fazer de vítima pode ser a grande salvação…
Deveriam botar atividades domésticas praticadas pelos amaricanos pois tou fazendo um trabalho e preciso disso!