A primeira lembrança que me ocorre quando penso na humildade inerente ao ato de servir é a imagem de um garoto branquela e tímido varrendo o salão principal de um restaurante McDonald’s de shopping, enquanto seus colegas da faculdade aparecem para se espantar com a cena do jovem universitário, trajando uniforme de cor vinho ridículo, com esfregão e balde em punho, em pleno sábado à noite.
Sempre me orgulho de ter trabalhado como atendente de lanchonete do McDonald’s, mas minha memória me trai, manchando o orgulho de uma indisfarçável vergonha.
Quando sentimos vergonha de algo que fizemos, ou é por nos sentirmos verdadeiramente culpados por um erro consciente que cometemos, o que poderia ser considerada uma justa vergonha, ou é porque nos sentimos superiores e qualquer ato que nos diminua é considerado um ataque e, portanto, deve ser negado ou apagado e banido. Esse tipo de vergonha. na realidade. oculta um sentimento pior, a arrogância.
A arrogância é prima irmã do orgulho, embora não seja exatamente igual a ele. O orgulho pode ser uma expressão autêntica da auto-estima e, portanto, de natureza benigna, ou a sensação de altivez e soberba, que nos faz agir como idiotas enquanto nos pensamos os maiorais.
Servir não combina com orgulho, qualquer que seja sua forma de expressão. Quem serve verdadeiramente não o faz como exercício de superioridade, nem como motivação para a elevação de sua auto-estima. O servidor o faz por generosidade, por um arremedo de alma que o move em direção ao outro, para quem sempre tem a mão estendida.
Naquela noite, na churrascaria, os garçons acolheram a mim e a minha família em seus corações. Visivelmente, não o fizeram simplesmente pela gorjeta. É fácil identificar quando estamos lidando com micos amestrados, pois o padrão, a história que se repente é justamente a do servidor que age por puro interesse e nenhuma vocação.
Pela primeira vez, pude olhar para mim, me empapuçando da gordura das batatas que eu fritava com a tensão suficiente para que não despregasse os olhos do timer e, assim, as retirasse do óleo sempre no ponto certo para serem servidas. Não havia nada de humilhante nisso. Pelo contrário, como trabalhei nove meses nessa atividade, seis dias por semana, imagino que centenas, talvez, milhares de pessoas tenham provado de minhas batatas fritas. Mesmo sem conhecê-las, certamente, era para elas que eu dava o melhor que podia.
Preciso, portanto, corrigir esse erro de interpretação, resgatando o precioso ensinamento do garoto que, recém-ingresso na faculdade e na idade adulta, me mostra que não houve, não há e nunca haverá humilhação em qualquer ato de servir, quando servir deixa de ser obrigação ou mera subserviência e se transforma em verdadeira entrega.