“ O nosso amor é tão bom / O horário é que nunca combina / Eu sou funcionário / Ela é dançarina / Quando pego o ponto / Ela termina”. É assim que Chico Buarque inicia a história que relata as diferentes rotinas vividas por um casal na música “Ela é dançarina”. Enquanto ele está desabando no colchão, ela está entrando em cena. Quando ele inicia seu expediente, ela abaixa a cortina.
A solução para os desencontros do casal encontrada por Chico é o funcionário público pedir uma licença e a dançarina tirar uns dias de folga para fazer um show particular. Em outras palavras, na música o descompasso é resolvido quando os dois abrem mão de seu mundinho particular. Cada um dá um tempo em sua trajetória individual para que o casal possa ter seu tempo junto.
Chico Buarque é um mestre da língua. Ele brinca com os palavras e seus significados, criando jogos prazerosamente sonoros e, ao mesmo tempo, extremamente complexos. Quando ele traz a história do funcionário público e da dançarina, ele está falando de e para todos os casais. Mais do que isso, ele apresenta um dos maiores diletas presentes em qualquer tipo de relação entre duas ou mais pessoas: a difícil arte de ajustar os ponteiros do tempo individual e do tempo coletivo.
Vou aqui me usar de exemplo. Sou casado com a mesma mulher há 13 anos – algo incomum nas turmas que freqüento, mas este é um assunto para outro artigo. Ao longo desses anos todos em que estamos juntos, tivemos que aprender como nos encontrar em nossos diferentes ritmos.
Eu gosto de dormir tarde, ela vai pra cama cedo. Ela demora a acordar de manhã, eu já levanto acelerado. Cada um teve que ceder um pouco em seus hábitos e a gente acabou se encontrando em algum lugar entre os dois pontos.
O mesmo se deu na relação com meu sócio. Estamos juntos há 14 anos – outro “casamento” longevo – e, apesar de reconhecermos um enorme conjunto de afinidades, profissionalmente ele só começa a funcionar após o meio-dia e eu já estou em meu pico máximo às 11h da manhã! Mais uma vez, cada um se moveu um pouco em direção ao outro, para que conseguíssemos equalizar nosso modo de funcionamento. Isso porque existe o meu modo de funcionar, o dele, e o nosso.
Qualquer relacionamento entre duas pessoas funciona assim. São sempre três a serem considerados: eu, você e nós. Esta é a base do sucesso dos relacionamentos e uma das principais razões de seu insucesso. Porque dar de ombros e simplesmente concluir que você funciona melhor de manhã e ela de noite não ajudará em nada, a não ser, claro, a vocês se separarem, buscando outros parceiros que tenham ritmos semelhantes.
Não tem jeito, podem falar o que for, mas quem gosta se adapta ao outro, o que significa dizer que, quando duas pessoas realmente se gostam, essa disposição de se adaptar ao outro é mútua, resultando numa permanente e positiva alternância de papéis entre quem concede e quem recebe. Por isso, ao invés do, às vezes, sacrificante e desagradável ato de abrir mão, as relações pautadas pela troca amorosa são mais lembradas pelo aprendizado e pelo crescimento com o outro, com a experiência que o movimento do outro provoca. Porque quando o outro se movimenta em nossa direção, aprendemos a ser gratos, e quando ele se movimenta para dentro si, respeitando seu próprio ritmo, aprendemos que há mais do que um jeito certo de fazer as coisas.