Escrito por Michael Kepp
“Se eu morrer agora, não vão encontrar nada inédito na minha casa”, disse. Para Veríssimo, o adversário é o prazo dos jornais, que não dá a suas ideias bastante tempo para incubar. Ariano Suassuna, a rara exceção, escreve para entrar no mundo dos personagens e suas aventuras enquanto os cria. Para ele, o ato literário é interativo, e a gratificação, imediata. A maioria dos músicos gosta mais de tocar músicas do que de compor pela mesma razão: a recompensa instantânea.
Escrever, como compor, adia a gratificação. O prazer não vem com a palavra certa para terminar a frase ou o parágrafo, mas com os primeiros esboços, quando, como diz Philip Roth, “você tem chão embaixo dos pés”. Para o ganhador do Nobel Orhan Pamuk, o fim também é o objetivo. “Escrevo porque quando inicio um romance ou ensaio, quero acabar”, disse. Para Pamuk, escrever é o longo e árduo processo de “descobrir o ser dentro de si que fala de coisas que todos sabemos, mas não sabemos que sabemos”. Concordo. Só ao colocar minhas ideias e sentimentos no papel consigo elaborá-los e elucidá-los. Uma vez, ao escrever um poema para uma mulher que me abandonara, chorei porque nunca tinha ouvido minha mágoa sair de modo tão simples e sintético. Como disse E.M. Forster: “Para saber o que penso, preciso ver o que digo”.
Meu pai disse que eu seria escritor quando meu nome estivesse na capa de um livro. Mas virei escritor pagando o preço – disciplina, paciência, coragem – que o ofício cobra. Também tive que buscar um equilíbrio entre a necessidade de interagir com o mundo para entendê-lo e a de me isolar para pô-lo em perspectiva no papel.
Para virar escritor, também precisava achar minha voz -afinando ideias para acertar o tom. Essa voz tem que refletir quem você é! Hemingway achou a sua em frases secas e concisas como: “À venda, sapatinhos de nenê, nunca usados”.
Autores como Hemingway e Faulkner buscavam imortalidade, só desfrutável do além. Como Woody Allen disse, “melhor do que continuar vivendo nos corações e mentes do público é continuar vivendo no próprio apartamento”. Outros são atormentados pela pergunta: “Eu tenho talento?” Veja o dramaturgo no filme “Tiros na Broadway”. Depois de se recusar a pagar o preço do ofício e contratar um novato promissor para reescrever suas peças medíocres, é forçado a admitir que não tem talento. Não pago o preço para provar meu talento, nem para que me leiam, muito menos para ser lembrado. Pago porque quero saber o que sei.