Viagem de volta à superfície

quinta-feira, 27 agosto 2009, 13:12 | | Nenhum comentário
Postado por Fábio Betti 

golfinhos_altaVocê já imaginou o que aconteceria se um golfinho, de repente, começasse a agir como uma lula? Ao invés do jeitão brincalhão, o ar severo. No lugar dos saltos que podem chegar a 5 metros acima do nível da água, uma vida legada às profundezas. Inteligência e sociabilidade? Esqueça. A única coisa que passa pelo minúsculo cérebro da lula é sobreviver.
Não há como ensinar um golfinho a ser… golfinho! Para isso, basta que ele siga seus instintos, que deixe aflorar sua essência, sua natureza. E a natureza dos golfinhos, os seres humanos conhecem um bocado. Não há animal marítimo que seja tão dócil e sociável ao homem quanto os golfinhos. Tanto é que eles nos encantam com seus saltos acrobáticos e suas estripolias, seja em oceano aberto, seja em parques aquáticos.
Já até conseguimos feito semelhante com as baleias Orca, que estrelam espetáculos estrelares, como a “Shamu”, no Sea World de Orlando. Aliás, baleias e golfinhos são parentes próximos. Da família dos cetáceos, as primeiras são do ramo dos misticetos, enquanto os segundos são da linha delphinidae. Mas são com os amigos golfinhos que nos entendemos de verdade.

Em cativeiro, é possível treiná-los para executarem grande variedade de tarefas, algumas de extrema complexidade. São frequentemente brincalhões e nenhum outro animal, exceto o homem, possui tantos comportamentos que não estejam diretamente ligados às atividades biológicas, como alimentação e reprodução. Diferentemente das baleias, os golfinhos não vão à superfície só para respirar, nem saltam como uma tática para caçar peixes. Eles fazem isso, porque é… gostoso! Tanto é que, muitas vezes, eles parecem…rir!

Já as lulas, que fazem parte da dieta alimentar dos golfinhos, não se parecem em nada com estes. Para início de conversa, são moluscos, animais extremamente rudimentares, que se definem por possuir cabeça distinta, simetria bilateral e tentáculos com ventosas. As lulas se movem por propulsão, têm corpos altamente hidrodinâmicos e possuem cromatóforos em sua pele, o que lhes confere a característica mimetizante. Não há como apresentar uma lula a partir de sua inteligência ou de seu espírito bem-humorado. Lulas são seres que atravessam os mares repetindo os mesmos movimentos, aprisionadas por uma única ordem: sobreviver.

Agora pare e pense: por que é que, apesar de golfinhos por natureza, agimos como se fôssemos lulas?

Por que é que encaramos a vida como um fardo pesado que precisa ser carregado? “A vida é dura.” “Primeiro, o trabalho, depois o descanso.” “Quando eu me aposentar, aí sim é que eu vou viver.” A vida não acontece no futuro. Até mesmo uma lula sabe disso. No entanto, nos condicionamos a seguir cegamente ordens estranhas e contrárias à realidade da vida e, sem perceber, aos poucos, fomos deixando de dar nossos saltos, abandonamos nosso natural ar brincalhão e sociável e nos metemos nas profundezas. Avançamos pela vida como se nossa existência se resumisse a… sobreviver!

Agora, devidamente “enlulados”, olhamos para os golfinhos e nos admiramos com sua liberdade e sua alegria pueril. Muitas vezes, atribuímos seu comportamento a uma certa irresponsabilidade, pensando que, assim, os rebaixamos a uma categoria inferior, exatamente como nos habituamos a fazer com as crianças. No fundo, sabemos que o que sentimos é um misto de inveja e impotência frente ao que acreditamos imponderável, inatingível, inconcebível.

No entanto, apesar de nossas crenças, continuamos sendo… golfinhos!

Um golfinho não deixa de ser golfinho mesmo que pense e aja como uma lula. E ele não precisa fazer absolutamente nada para ser.. . golfinho! Não é necessário ler, estudar, praticar ou enfrentar nenhum obstáculo em uma jornada mística. Uma lula com PHD ainda é só uma lula. Uma lula “evoluída espiritualmente” também não deixa de ser uma lula. Como uma lula rica, uma lula famosa, uma lula poderosa. São todas simples lulas.

O que faz um golfinho ser um golfinho não é nada que ele faça. O que faz um golfinho ser um golfinho é sua natureza. Para ser um golfinho, basta ser. Ou, melhor dizendo, para ser um golfinho, é preciso ser.

Assim como as lulas, os golfinhos foram dotados do poder de nadar nas profundezas do oceano. Só que os golfinhos preferem viver perto da superfície, onde a temperatura é mais quente e o sol deixa tudo a sua volta claro e cristalino.

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