Algumas pessoas, especialmente, às mais próximas, parecem se assustar com a decisão que tomei e com a situação em que me encontro: em agosto, deixei para trás uma agência de comunicação bem-sucedida para me lançar em “novos projetos”, que equivale a dizer “mundo de incertezas”. As pessoas me perguntam: “E aí, já está ganhando dinheiro outra vez?” E, mesmo que esse tipo de questão ainda me incomode – afinal, continuo “out” do mundo agitado em que me encontrava antes -, ela tem me ensinado muito sobre as pessoas e sobre mim mesmo.
Entendemos o tempo unicamente como um bem de consumo ou uma moeda de troca. Por isso, andar totalmente ocupado costuma ser um bom sinal. Se fulano trabalha até tarde e sempre é visto esbaforido, analisamos que as coisas vão bem para ele. Achamos isso normal.
Passamos a vida entre a casa e o trabalho, com intervalos divididos entre o consumo de coisas que não são essenciais para o nosso viver e um lazer utilizado para compensar o “sacrifício”, e achamos isso normal.
Percorrermos trajetos diários de forma totalmente automática, e achamos isso normal.
Permanecemos com um grupo de pessoas todos os dias, por todos os dias da semana, e somos incapazes de saber, de fato, como estão aquelas pessoas, o que elas estão sentindo, que dificuldades reais estão enfrentando, e achamos isso normal.
Cortamos as pessoas antes que elas terminem o que querem dizer, e achamos isso normal.
Falamos mais do que escutamos, e achamos isso normal.
Raramente paramos para pensar, e achamos isso normal.
Nossa sempre ocupada agenda não nos permite participar da vida de nossos filhos, muito menos para ajudá-los em sua lição de casa, e achamos isso normal.
Não tempos tempo para as pessoas que amamos, não temos tempo para nós mesmos, para cuidar de nossa saúde e para nos alimentarmos de forma adequada, e achamos isso normal.
Não percebemos a natureza a nossa volta, e achamos isso normal.
Todos os dias, caminhamos apressados entre crianças maltrapilhas e moradores de rua sujos e esfomeados, e achamos isso normal.
E depois, as pessoas que fazem tudo isso se assustam com a minha atitude?
As pessoas vivem dos pressupostos do passado para explicar o presente, e da pressão do futuro, com seu ciclo de conquistas contínuas, criando uma ansiedade impossível de satisfazer. Falta, portanto, tempo para viver o aqui e agora. Só que se confunde espera com passividade, reflexão com preguiça, não-ação com vagabundagem.
Infelizmente, em nossa cultura, silêncio é sinônimo de constrangimento, enquanto que em tradições milenares o silêncio, não por acaso, é o caminho da sabedoria.
O médico e um dos grandes defensores do pensamento completo, Humberto Mariotti, explica em seu livro “As Paixões do Ego”, que todo o sistema possui um tempo de defasagem ou tempo de espera. A incapacidade de respeitá-lo seria, segundo ele, um dos fatores que mais contribui para o estreitamento e o obscurecimento de nosso horizonte mental, porque a espera é um tempo e um espaço onde o novo pode germinar livremente, sem as amarras do passado e as expectativas do futuro.
Quando meus amigos me encontram e me vêem vivendo esse tempo de espera, talvez minha escolha possa lhes conectar com seu próprio medo do desconhecido ou, até mesmo, provocar inveja por eu ter ousado me rebelar contra tudo aquilo que eles sempre acreditaram ser normal e que, provavelmente, no fundo de sua consciência, reconhecem como uma grande ilusão.
Gostaria, primeiro, de tranqüilizá-los com relação a minha situação, pois esse tempo de espera tem me feito um bem danado. E, segundo, de convidá-los a, toda vez que se sentirem, de alguma forma, incomodados com meu processo consciente de desaceleração, que não façam absolutamente nada, não se obriguem a dizer ou fazer nada – simplesmente, respirem fundo e aproveitem para tomar um pouco de tempo para si.
Tempo de espera
terça-feira, 01 dezembro 2009, 13:59 | | 3 comentáriosPostado por Fábio Betti
O que dói na espera, para muitos, é a incerteza. Vivemos uma vida onde buscamos segurança a todo momento, estabilidade. Acho que é isso que acaba trazendo tanto sofrimento emocional, espiritual, e até físico.
Desaprendemos a deixar a natureza (a própria, ou a natureza das coisas, a natureza da vida) agir em seu tempo, e reaprender é um exercício diário, de flexibilidade e paciência.
Pegando o gancho do “Nossa sempre ocupada agenda não nos permite participar da vida de nossos filhos…” acrescento que enquanto nos preocupamos com nossa segurança e futuro, estamos criando filhos totalmente alheios a realidade, sem amor, sem carinho, sem educação, sem limites. Que sociedade estamos preparando para nossos filhos, atraves deles mesmos? Creio ser isto uma seria e urgente reflexao.
Estou vivendo um momento parecido, dei um tempo e é realmente impressionante o que alguns poucos meses de pausa podem fazer. As pessoas da vida anterior, ainda no mesmo esquema de piloto automático em que eu me encontrava, ficam preocupadas, espantadas, algumas até raivosas, sem entender como eu pude abrir mão “de tudo”. Tudo? Quando eu vi que aquilo de que eu abri mão realmente estava se tornando “tudo”, fui abençoada com a coragem e os meios para parar e refletir. Foi difícil no começo, doeu, foi necessário dizer adeus a coisas que eu julgava importantes e separar o joio do trigo em cada aspecto da vida, mas não podia ter sido mais proveitoso. Agora, pronta para voltar à ativa, tenho energia, foco e paz como nunca tive antes, simplesmente porque nunca tinha dado um tempo para encontrá-los dentro de mim. Boa sorte para nós! Abraços.