Os olhos da cara

segunda-feira, 03 maio 2010, 11:10 | | 4 comentários
Postado por Fábio Betti 

Escrito por Martha Medeiros

Recentemente participei de um evento profissional só para o público feminino. Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. Principalmente idades. Lá pelas tantas fui questionada sobre a minha, e como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível. A platéia inteira fez um “oooohh” de descrédito. E quando eu disse que, até aqui, ainda não enfiei uma única agulha no rosto ou no corpo, foi mais emocionante ainda: “oooooooooooooooohhhhhh”. Aí fiquei pensando: pô, estou nesse auditório há quase uma hora exibindo minha incrível e sensacional inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa na mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho. Onde é que nós estamos?

Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado “juventude eterna”. Estão todos em busca da reversão do tempo, e com sucesso: quanto mais ele passa, mais moços ficamos. O.k., acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas. Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se mudança. Eu sei disso, você sabe, e a escritora Betty Milan também, tanto que enfatizou essa frase em seu mais recente livro, Quando Paris Cintila. De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora. A única maneira de sermos idosos sem envelhecer é não nos opormos a novos comportamentos, é termos disposição para guinadas. É assim que se morre jovem, sem precisar ter o mesmo destino de um James Dean ou de uma Marylin Monroe. Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.

Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente mudou-se do apartamento em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras que havia guardado, e mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu. Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos de idade. Rejuvenesceu. Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um ótimo emprego em Porto Alegre por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela caminha na beira da praia todas as manhãs. Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional. Antes de tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.

Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco, porque não existe plástica que resgate seu brilho. O que dá brilho ao nosso olhar é a vida que a gente optou por levar. Um olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça. Olhe-se no espelho. Você tem um olhar de quem estaria disposta a cometer loucuras? Tem que ter.

E aí pode abrir o jogo, contar a verdade: tenho 39, 46, 57, 78 anos! Ooooooohhhhh. Uma guria.

Fonte: Jornal “Zero Hora” nº 15619, 1/6/2008.

4 comentários para “Os olhos da cara”

  • paula nogueira disse:

    Vcs têm certeza que esse texto é da Lya Luft?

  • Fabio Betti Rodrigues Salgado disse:

    Se você pesquisar esse título no Google e o nome dela, chegará à resposta.

  • Luciélia disse:

    Esse texto é da Martha Medeiros, colunista dos jornais Zero Hora e O Globo. É a crônica “Os olhos da cara”, publicada no livro “Doidas e Santas”. Porém, aqui, encontra-se com alguns cortes e acréscimos de frases alienígenas, mas não a ponto da autoria ser atribuída a Lya Luft.

  • Fabio Betti Rodrigues Salgado disse:

    Obrigado, Lucélia, pela informação. Infelizmente, esse mesmo texto aparece como de autoria da Lya Luft. De qualquer forma, vou corrigi-lo, publicando a versão correta e dando crédito a Martha Medeiros.

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