BUMERANGUE
Sempre tive uma dificuldade enorme para guardar dinheiro. Não me julgo um esbanjador. Não se trata disso. É verdade que, às vezes, exagero um pouco, cometo extravagâncias. No entanto, tenho um estilo de vida relativamente simples, onde as coisas que mais valorizo não costumam ser as que custam mais caro. Não é preciso muito dinheiro para namorar, brincar com meu filho, assistir filmes alugados, ler, escrever e dormir.
O negócio é que não há jeito que me faça poupar. O máximo que chego é aderir a planos de capitalização que gerentes de banco costumam nos empurrar goela abaixo no desespero de cumprir suas metas. E nós, emocionalmente chantageados – todo gerente de banco é um psicólogo terrorista por natureza -, acabamos cedendo na esperança de um tratamento mais amigo, quando precisarmos daquele famoso guarda-chuva que o banco costuma oferecer quando está fazendo Sol e que nos é tirado ao primeiro sinal de chuva.
Claro que, invariavelmente, acabo me arrependendo do ato impensado. Só que banqueiros não costumam dar ponto sem nó e nos mantêm escravos das minúsculas cláusulas que dizem coisas como “carência de 12 meses”, “antes do término do período, a retirada do montante será parcial…”, entre outras pérolas do gênero.
Mas não estou aqui para falar de bancos – talvez minha recusa em poupar seja uma forma de vingança, não deixando que ganhem dinheiro às minhas custas, mas, no final, eles sempre acabam ganhando, de uma maneira ou de outra. O fato é que, apesar de não ter dinheiro na mão nem dos banqueiros nem debaixo do meu colchão, ele nunca me faltou.
Até mesmo quando vivi a aventura de sair de casa aos 18 anos para morar em uma pequena república, ganhando um salário que mal pagava o aluguel, não senti falta de absolutamente nada. Quando o dinheiro escasseava – o que costumava ser regra e não exceção -, aparecia uma namorada me convidando para jantar. E, claro, sempre havia o almoço preparado com arroz e ovo caipira do sítio de um dos amigos com quem eu dividia o apartamento. Faz muitos anos que não como a mistura, mas jamais me esquecerei de seu sabor inigualável. Quer me fazer feliz? Convide-me para um arroz com ovo frito!
Que uma receita simples como essa é capaz de alimentar com prazer, não foi meu único aprendizado. Aprendi, sobretudo, que abrir mão do dinheiro é a melhor maneira de ter dinheiro. Parece incoerente, mas a regra é dona de uma lógica inquietadora. Sentindo-se livre para ir embora no momento em que desejar, o dinheiro não precisa partir. O máximo que faz é dar um passeio e, depois, está de volta. Diria até que, por experiência própria, nessas voltas que o dinheiro dá, andando de mão em mão, ele deve namorar um bocado porque sempre retorna com a família aumentada.
E não é só com dinheiro que isso acontece, não. Abrir mão também é uma tática poderosa quando o assunto é gente.
Para ter o amor de alguém, é preciso abrir mão dele. Como o dinheiro, quando nos sentimos livres, não nos vemos tentados ou obrigados a partir. Podemos escolher, diferentemente de quando nos vemos presos. Enjaulados, a única coisa que conseguimos enxergar é o mundo do qual fomos privados. Não conseguimos enxergar o mundo que temos, pois nossos olhos estão presos às grades que nos separam do que não temos.
A liberdade é companheira da abundância. O estado de poder ir e vir sem barreiras, de pensar e se expressar sem medo e sem censura cria abundância pelo simples motivo de ser movimento. Movimento é energia que troca de lugar, que flui solta pelo espaço e, passando de mão em mão, cresce como uma bola de neve. Ao retê-la, não impedimos apenas seu crescimento. Enquanto o tempo corre, a energia vai perdendo a força, e o que era neve vira água outra vez. Os exemplos dessa equação tão simples estão aí para quem tiver olhos e quiser vê-los.
Basta olhar para suas próprias mãos. Quando fechada, a mão é agressiva, talvez, o maior símbolo que exista para guerra e enfrentamento. Já a mão aberta acolhe e acaricia. Mão aberta chama para o cumprimento e para o abraço. Mão aberta é união com o outro, no toque de amor e é união com Deus, na oração. Mão aberta é aceno de adeus pedindo para ficar.
Abrir mão das coisas faz com que a saudade possa existir. A saudade faz com que desejemos voltar, porque a saudade é feita de lembranças de coisas que não queremos perder. Mas até mesmo estas coisas só podem ser mantidas se aprendermos a abrir mão delas.
Quando não abrimos mão das coisas, tudo o que fazemos é sufocá-las. Dinheiro e pessoas precisam de ar para viver, para voar, para se sentirem livres para circular pelo mundo e voltar, ou simplesmente permanecer, sem nunca pensar em partir.
Fábio, 18/10/01
Posse, ciúmes e o efeito bumerangue
segunda-feira, 10 maio 2010, 22:56 | | 1 comentárioPostado por Fábio Betti
Gostei. Essa é mesmo a essência da vida e aplica-se a nós mesmos. Não precisamos de ajuda para nos esclausrarmos. Muitas vezes somos nós mesmos que nos impomos nossas prisões e não ousamos sair do cercadinho que criamos pagando o preço da infelicidade. Não entendo pq fazemos isso, mas acho q por medo do que a liberdade pode trazer. Sua proposta de vida (da liberdade) é ousada, arriscada, original, única, mas cheia de parcalços. Afinal, tudo na vida tem seu preço! A recompensa de quem se arrisca tb é um retorno, que eu chamo de volta ao lar: o retorno a si mesmo. Para mim, sempre o mais almejado! O texto tem qse 10 anos e, talvez daqui a mais 10, continue jovenzinho…