O paradoxo da auto-desqualificação pelo medo da rejeição

sábado, 29 maio 2010, 23:30 | | 11 comentários
Postado por Fábio Betti 

Por que é que, quando alguém faz tudo para agradar ao outro, costuma obter exatamente o contrário?

Procuramos agradar a quem amamos . Procuramos agradar a quem, de alguma forma, desejamos aceitação. A mãe, o pai, uma pessoa por quem estamos apaixonados. Um chefe, um cliente, alguém que nos recompensa por algo que fazemos para ele ou ela.

Faça isso e terá o que quer. Faça aquilo e será feliz. O tempo todo, é isso o que ouvimos. Consideramos natural, portanto, que seja isso o que façamos. Fazemos algo não necessariamente porque queiramos fazê-lo ou como parte do nosso modo intrínseco de operar. Fazemos algo na expectativa de se obter algo em troca.

Em muitos domínios, estabelecemos regras para essa troca, um combinado entre as partes. É fácil observar essa dinâmica em nossa vida profissional, onde trocamos parte de nosso tempo por dinheiro, reconhecimento e sentimento de realização. E, mesmo que essa troca seja regulada por um contrato de trabalho e planos de metas estabelecidos entre as partes, não raras vezes nos frustramos. Nenhum contrato ou plano é capaz de cobrir tudo.

Contratos e planos são feitos para formalizar o que as partes envolvidas consideram essencial. No entanto, é justamente o essencial que costuma ficar de fora. Fica de fora porque no mundo em que vivemos, o consideramos, consciente ou insconscientemente, um pressuposto básico – ele, o amor.

Em qualquer relação em que estejamos, esperamos ser amados. O amor pode se vestir de respeito, reconhecimento, aceitação, escuta, admiração, apoio, desejo. Não importa a roupa, amor é amor, e é ele que sustenta ou não uma relação. Qualquer relação onde não exista amor em quaisquer de suas formas está fadada a deixar de existir, porque ninguém deseja verdadeiramente viver no mal-estar. E, mesmo assim, quando escolhe viver em desamor, acaba por adoecer, porque se coloca contra a própria natureza de qualquer ser, que é se auto-produzir continuamente num processo de adaptação mútua entre ele e o meio, buscando manter seu próprio bem-estar. Esse é um fundamento biológico, que sustenta a forma de operar de qualquer ser vivo.

No entanto, ao colocarmos nosso bem-estar sob dependência do outro, acabamos, inconscientemente, desregulando esse mecanismo. Ao fazer aquilo que pensamos que o outro espera de nós, muitas vezes, deixamos de fazer aquilo que se conecta com nossa própria essência como parte de nossa forma de ser e estar no mundo. Nos abandonamos para ser amados. Abandonamos nossas crenças, nossos valores. Abandonamos nosso amor-próprio. Abandonamos, dessa maneira, o que nos define como indivíduos. E quando nos abandonamos na expectativa de sermos amados pelo outro, como podemos nos sentir amados? O que ou quem é amado pelo outro se nos ausentamos dessa relação?

Em nosso lugar, colocamos um fantoche se relacionando com o outro e, depois, nos espantamos quando o outro se enamora do fantoche e não de nós! Mais do que isso, cobramos do outro o amor que acreditamos merecer por tamanho esforço. Não é fácil ser o que não se é, fazer o que não se quer!

Cegos e ressentidos pelo sacrifício de nosso próprio ser, nem conseguimos refletir sobre a impossibilidade que nós mesmos criamos, ao nos escondermos, de o outro nos amar. Como amar a quem não se conhece?

Se o outro, no entanto, não é capaz de amar o que somos, por que escolhemos nos manter nessa relação? Por que nos satisfazemos com amores de mentira, amores de fantoches, amores inventados? O que ganhamos com a ilusão de sermos amados?

Quando me faço essas perguntas, percebo de imediato o enorme esforço que depreendo para manter esse processo de auto-engano. Para ser honesto, sinto-me como um de meus cachorros abanando o rabo e esperando o desejado mimo. Não sei se isso é doloroso para um cachorro, mas certamente é para mim.

Quando vou mais fundo nessa reflexão, posso ver duas formas diferentes de operar. As duas estão relacionadas não ao que o outro sente – uma incógnita e algo de responsabilidade do outro -, mas ao que eu sinto que o outro sente. Em uma delas, opero a partir de meu sentimento de que o outro não me ama e aí procuro agir de um jeito que eu penso que o outro espera que eu aja. Faço coisas para chamar a atenção do outro para mim, me exibo, exatamente como meus cachorros fazem para mim. Não faço a menor idéia se meus cachorros procuram me manipular com seus truques, mas tenho certeza de que é isso o que faço com os meus truques.

Se eu sei que trapaceio com o outro, por que ele ou ela não saberia? Pergunte a si mesmo e, provavelmente, você se lembrará de alguma situação em que você percebeu alguém tentando te agradar. Falso, pedante, puxa-saco são alguns dos adjetivos nada amorosos que aparecem nessas horas. Agora, volte-se para si mesmo e lembre-se das vezes em que você tentou agradar alguém. Você fez algo na expectativa de ser amado e o que acabou obtendo? Desqualificação. E o pior da história é que, no fundo, você sabe que não foi o outro que lhe desqualificou…

Na outra forma que observo de meu operar, opero a partir de meu sentimento de que o outro me ama e aí não sinto mais qualquer estímulo em agir de um jeito que eu penso que o outro espera que eu aja. Pelo contrário, ajo naturalmente, sem pensar em certo ou errado, sem receio de que algo que eu fale ou faça ameace minha relação com o outro. Opero a partir da pré-condição de ser amado e, com isso, me pré-autorizo a ser simplesmente o que eu sou. Sinto isso como algo libertador, na medida em que não há qualquer esforço, só fluir numa entrega espontânea.

Nessa forma de operar, observo claramente a manifestação de meus maiores talentos e de minhas potencialidades como ser humano. No entanto, quando paro para pensar sobre essa forma de operar, também percebo que corro riscos. E se o outro não gostar do que encontrar?

O outro pode realmente não gostar do que eu sou, mas não me resta outra alternativa, pois o melhor de mim está no que sou e não numa farsa, numa ficção sobre mim. Se o melhor de mim não for suficiente para o outro me amar verdadeiramente, nada será.

11 comentários para “O paradoxo da auto-desqualificação pelo medo da rejeição”

  • Daguimar disse:

    Sempre me fiz essa pergunta e a resposta me parece bem clara aqui,anos de terapia e simples dois minutos pra responder a questão,rsrs
    Abraço!

  • Rea disse:

    Tenho medo do Fábio. Ele lê pensamentos…
    bj

  • Monica disse:

    O amor por si próprio me parece sempre a pedra fundamental das conquistas q surgem da relação com o outro. Há uma frustração nas relações pela falta de percepção daquilo que sinto ser o amor verdadeiro.

    Escrevi s/ isso aqui:
    http://realvalor.blogspot.com/2010/05/o-melhor-de-mim-sou-eu-inteira.html

  • Fabio Betti Rodrigues Salgado disse:

    Obrigado pelas dicas e pelos comentários, todos muito generosos. Abraços

  • pauloSSvilela disse:

    É perfeito o que escreveu, Fabio, só pode ser parabenizado. Eta assunto difícil.
    Me lembro da C.Lispector “Se eu fosse eu mesma, mas se eu fosse eu mesma, ninguém me recoheceria na rua… nem sei porquê” C.Lispector O homem não é só virtudes, não existe vida sem risco, prazer e frustração. Estamos numa época que best-sellers são livros de auto-ajuda, que se fala tanto em amor próprio, que muitos confundem tudo e agem movidos por sentimentos estudados, e da mesma forma se enganam.
    abs

  • Ana C. disse:

    Nossa, estou impressionada…você é um verdadeiro guru, Fábio…Li hoje três dos seus textos, e todos se encaixaram perfeitamente a profundos questionamentos que tenho feito a mim mesma atualmente. Que terapia!
    Muito obrigada pela ajuda e pela partilha de pensamentos tão verdadeiros e sensíveis. Você realmente conhece a alma humana, e sabe traduzí-la em palavras com maestria.

  • Fabio Betti Rodrigues Salgado disse:

    Nossa, Ana, menos, por favor, menos…rsrs. Da alma humana, conheço quase nada. Mas acho que faço um esforço danado para conhecer minha própria alma, e o que faço aqui, às vezes com sucesso, às vezes com fracasso, é isso: expor o que aprendo sobre mim mesmo. Sempre falo de mim e me surpreendo quando, de repente, alguém vê nesse monólogo seu próprio falar. Me surpreendo, pois isso comprova que todos somos um.

  • Edson Jr. disse:

    O que é ser maduro?

  • Fabio Betti disse:

    O que você acha que é, Edson?

  • Edson Jr. disse:

    Fabio Betti,

    Me desculpe. Esqueci de parabenizá-lo pelo excelente discurso. Enquanto lia seu texto pude me ver inserido nele, (re)pensar sobre os aspectos que envolve o relacionamente e perceber que algumas dessas coisas realmente acontecem.

    Voltando ao assunto maturidade, eu sempre ouço esse comentário sobre ser ou não ser, ter ou não ter maturidade. No entanto, o que é realmente ser maduro? Acho que todos nós construimos nossa realidade, portanto criamos alguns conceitos sobre as coisas. Eu, particularmente já devo ter comentado ou simplesmente ter aplicado o termo maturidade em alguma situação. Entretanto, o que é, para o senso comum, ser ou ter maturidade? Não querendo desviar sobre o tema da postagem, mas seria uma boa oportunidade de discutir sobre esse assunto.

    Eu já namoro há um bom tempo (4 anos) e em nosso relacionamento, não diferente dos outros, há discussões e sempre a questão de maturidade aparece no centro destas. Ao ver o comentario da Paula, isso me intrigou bastante. O que caracteriza essa maturidade que tanto procuramos alcançar?

    Abraços!

  • Fabio Betti disse:

    Edson, aguarde para breve o post “As palavras não são em si”, onde procurarei colocar um pouco de luz sobre a questão você coloca. Grato pela reflexão que você me provocou. Abraço.

Comentário

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