Fé inominável

segunda-feira, 07 junho 2010, 01:17 | | Nenhum comentário
Postado por Fábio Betti 

Pessoas muito próximas a mim têm desafiado minha fé, a ponto de já me perguntar se o que tenho e não consigo nomear pode ser de fato considerado fé.

Nasci no berço de uma família católica italiana, fui batizado, crismado. Participei de encontros de jovens, fiz cursinho de noivos, casei na igreja. Acabei brigando com os padres, enojado de sua visão estreita de mundo, tão cheia de dogmas e pecados. Aproximei-me do espiritismo Kardecista, fiz encontros com grupos de casais para ler e discutir o evangelho segundo o espiritismo. Simpatizei com o budismo, já estive em sessões de umbanda, fiz mapa astral, segui o “Guia” do Pathwork, experimentei círculos místicos, leitura de mão, cartas de Tarô.

Atualmente, não quero saber de experimentar nada, nem resgatar qualquer crença do passado. Mas nesse mundo onde a fé virou produto de prateleira, a oferta é tão grande que, volta e meia, tem gente querendo me empurrar a sua fé. Às vezes, o convite vem de um amigo e, mesmo com o receio de magoá-lo, recuso constrangido. Sei que a fé está a um passo do fanatismo, porque quem tem fé acredita na veracidade de alguma coisa, sem exigir qualquer prova em troca. Quem tem fé confia e pronto. E quem não confia? Ignorante, alma perdida, resistente, cético. É assim que me sinto toda vez que alguém me indica alguma experiência mística transformadora ou a consulta com um vidente renomado.

Outro dia, ouvi de um amigo de longa data que nos últimos dois anos seus guias espirituais o alertam sobre algo muito sério que temos a resgatar, eu e ele. Talvez tenhamos sido inimigos em outras vidas. Ele tem rezado muito pela nossa relação. Fiquei assustado, sem saber o que dizer ou fazer. O amigo me cobrou igual postura, que eu procurasse ajuda, para que nosso caminho pudesse ser desimpedido. Consegui apenas dizer a ele que aceitava aquilo como um convite para resgatar minha própria espiritualidade e que eu não tinha absolutamente nada contra ele – pelo contrário, sempre o admirei e o defendi perante os que o criticavam, excetuando uma única vez… Agora penso que o surpreendente relato talvez tenha sido causado por esse episódio isolado… Enfim, amigos também falham, não?

E cá estou eu, me perguntando sobre onde foi parar minha espiritualidade. No fundo, culpo-me por não experimentar os caminhos que me oferecem – sinto verdadeiramente que me são recomendados com muito carinho e visando minha felicidade. No entanto, olho para o caminho do outro e vejo apenas… o caminho do outro. Não me identifico, não me vejo caminhando ali num caminho que não é meu. Para falar a verdade, já nem acredito mais que haja mesmo um caminho, uma estrada onde você precise andar, andar e andar, para que, um dia, você chegue ao fim e tudo se resolva.

Outro dia, tive a pachorra de dizer a uma amiga que eu entendia o Ekhart Tolle. O Ekhart era um alemão meio doidão que vivia deprimido. No livro “O Poder do Agora”, que vendeu milhões de unidades no mundo todo, ele conta que, um dia, acordou e, de repente, viu a luz que entrava pelas frestas da janela de uma forma diferente e começou a ver tudo diferente, de uma forma tão maravilhosa que ele passou os próximos dois anos vivendo na rua, como se fosse um mendigo, de tão encantado que ficou com tudo a sua volta. É assim que ele descreve sua iluminação. Depois dessa experiência, ele nunca mais se deprimiu e passou a viver plenamente feliz, a viver no agora – pelo menos, é isso o que ele conta.

O Humberto Maturana, meu professor de Biologia Cultural, chama o agora de presente contínuo cambiante. Ele diz que o presente contínuo cambiante é o único lugar possível de se viver. O resto é passado – ou angústia pela impotência de não se ter qualquer controle sobre o próprio futuro. Agora vou ter a pachorra de dizer que também entendo o Maturana. Falo isso porque eu também já me iluminei! E não foi uma vez não, foram várias. Já tive vários lampejos onde tudo parecia explicado, tudo absolutamente simples e, ao mesmo tempo, completo. Só que, no instante seguinte, eu já era o velho Fábio, aprisionado por suas crenças passadas e sua angústia por não conseguir controlar o próprio futuro.

Vivo imerso nesse mundo de ilusão, porque, afinal, nem eu nem ninguém pode viver no passado ou no futuro, mas carrego algo precioso comigo: a lembrança viva de meus momentos de iluminação. Essa lembrança funciona como um estímulo para continuar acreditando em algo maior do que sou capaz de ver ou entender. Não precisei percorrer nenhum caminho, nenhum jogo de fases para chegar a esse estado. Fiz como o Eckhart, acordei e pronto! Isso pode parecer presunção ou loucura, mas, honestamente, não é para mim. É desse jeito que minha fé se manifesta, na crença de que podemos modificar tudo a nossa volta em um estalo, de uma hora para outra, sem aviso prévio ou qualquer esforço. É essa a fé que não consigo nomear e, por isso, talvez nem pareça fé aos olhos do outro. Certamente, não é a mesma fé do Eckart ou do Maturana. É só a minha fé, nem melhor, nem pior do que a fé deles, ou a fé do meu amigo, que acredita que temos algo muito importante a resolver. Se meu amigo acredita nessa história, é verdade para ele, e eu respeito que assim seja para ele, mas…será que ele respeita que não seja verdade para mim?

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