Todo mundo parece ter algo a recomendar para os outros. Basta alguém dizer que está com algum problema, para já aparecer aquele que tem a solução certeira. E o leque de soluções é um típico poço sem fundo. Tem solução para arrumar marido, para manter o emprego ou para se acertar na vida.
Parece que todo mundo quer um guru para chamar de seu. Alguém que nos diga a cada instante o que devemos fazer. Conheço gente que não toma decisão alguma sem consultar um pai de santo, as cartas do Tarô, a mãe, o chefe, a mulher ou, se bobear, até o motorista de taxi. “Vai pra onde, doutor?” “Não sei… você teria alguma sugestão?”
E aí é batata! Rapidinho, a fome junta com a vontade de comer, e pessoas tão mortais quanto qualquer um passam a distribuir conselhos como se fossem, de fato, diferentes. Seres superiores, espíritos iluminados ou, simplesmente, a “voz da experiência” posam, na maior cara de pau, como os senhores do castelo, profundos conhecedores da alma humana e, quiçá, até de Deus.
Como pastores, juntam e guiam rebanhos formados por esses seres que, antes de se colocarem em suas mãos, tinham total poder sobre a própria vida, mas que, agora, ovelhinhas obedientes, só fazem o que lhes mandam fazer. Assim, nascem igrejas todos os dias. Igrejas de milhões e igrejas particulares, onde a tortura é sob medida, um a um, cada ser transformado em cativo de seus próprios medos e inseguranças por um outro ser que se afasta de seus próprios medos e inseguranças na milenar arte de tergiversar. Dá as costas para si mesmo para se entreter com a tragédia alheia – sempre mais fácil de ser olhada, a tragédia na terceira pessoa. No entanto, afastar-se da sombra tem o mesmo efeito da criança que tapa os olhos com as mãos e faz desaparecer alguém de sua frente.
Os problemas que vemos no outro são apenas os problemas que conseguimos ver no outro, problemas que, não raras vezes, são nossos próprios problemas. Se, de alguma forma, não conhecêssemos minimamente esses problemas, como poderíamos identificá-los no outro? Sem linguagem, não há mundo. Há apenas uma coisa desprovida de significado. O que vemos no outro, portanto, tem a ver, de alguma forma, conosco mesmo. O outro é espelho, embora operemos como se ele fosse vidraça. Agimos como se pudéssemos enxergar através da superfície de seus olhos, compreender o significado de seus gestos e conhecer a origem de seus sentimentos. Assim nos afastamos de nós mesmos, perdendo uma oportunidade de ouro de olharmos mais profundamente para aquilo que o outro acabou despertando em nós. E o outro se transforma em cobaia de teses impossíveis de serem provadas. Porque o outro não pode ser verdadeiramente conhecido a não ser por si mesmo.
Como posso saber algo sobre o outro se sequer sei quem sou? Essa é a pergunta que me faço nas oportunidades em que me pego atuando sob esse poder supremo, travestido dessa divindade de araque, que transforma o outro numa coisa a ser desmembrada, entendida e explicada. Coisas como um computador, por exemplo, podem ser desmontadas e remontadas. Fazer isso com gente é coisificar o humano. E dependendo da fragilidade de quem se submete a essa experiência e da crueldade de quem a realiza, o estrago pode ser irreversível.
Temos remédio para tudo e para todos, menos para nossa própria doença
domingo, 17 outubro 2010, 23:48 | | Nenhum comentárioPostado por Fábio Betti